EM significa encefalomielite miálgica, que designa uma inflamação do cérebro. Aqueles com a condição por vezes preferem este termo, embora o termo mais recente seja Síndrome de Fadiga Crónica (SFC) – um termo usado para descrever a fadiga inexplicada que dura mais de 6 meses. A SFC/EM, como síndrome, implica que existem fatores causadores multifacetados (que podem permanecer desconhecidos) e que os casos são individuais.

Dentro deste espectro existe também a fibromialgia (FM) – que envolve muito mais dores musculares. A fibromialgia é um distúrbio da dor crónica que se calcula afetar (embora não hajam estatísticas rigorosas para Portugal) 5% a 6% da população, com predomínio nas mulheres acima dos 40 anos (1).

Foi identificada em 1816 por um médico escocês, mas não foi oficialmente reconhecido pela Associação Médica Americana como uma doença até 1987. A fibromialgia manifesta-se como dor na fibra dos músculos, muitas vezes por todo o corpo, juntamente com fadiga extrema, dores de cabeça, e distúrbios do sono. Os sintomas podem ser semelhantes aos de outras condições, tais como a síndrome da fadiga crónica ou a artrite reumatóide, o que muitas vezes deixa os pacientes a penar anos à procura de um diagnóstico correto. Como não há teste definitivo para a doença, o diagnóstico torna-se complicado.

Felizmente, existe uma ferramenta de diagnóstico disponível. Em 1990, o Colégio Americano de Reumatologia criou um mapa de 18 “pontos sensíveis”, ou lugares no corpo que são mais sensíveis ao toque em pessoas com fibromialgia. Uma pessoa que sente dor em 11 dos 18 pontos dolorosos provavelmente sofre desta condição (2). Em 2016, a instituição americana ACR (American College of Rheumatology) acrescenta novos critérios de diagnóstico, definindo a fibromialgia como uma desordem com múltiplos sintomas (Arnold et al., 2019), incluindo a fadiga e os distúrbios do sono.

Embora a causa exata da fibromialgia ainda seja desconhecida, sabe-se que existem fatores de risco genéticos que tornam mais provável o desenvolvimento de um distúrbio de dor crónica como a fibromialgia. Outro fator associado ao desenvolvimento desta condição é o stress.

Uma melhor compreensão da condição veio através de avanços na imagiologia cerebral do cérebro, que revelam que as pessoas com fibromialgia processam a dor de forma diferente das que não a têm, devido a uma espécie de hipersensibilidade do sistema nervoso. Por exemplo, a pressão que se sente levemente desconfortável para a pessoa comum, muitas vezes parece dolorosa para alguém com fibromialgia (Sluka & Clauw, 2016).

 

O Yoga e a FM e a SFC/EM: como é que o yoga pode ajudar?

O Yoga é uma filosofia prática de vida com origem na civilização do Vale do Indo há milhares de anos, e que agora está firmemente enraizada no Ocidente. A palavra yoga vem do sânscrito, uma antiga língua indiana, e significa “união”: do corpo, da mente e do espírito. A interpretação ocidental mais comum concentra-se em refinar o corpo, mente e espírito através de posturas, chamadas asana, combinadas com técnicas de respiração, chamadas pranamaya, e meditação.

As práticas físicas do yoga são não-competitivas, sendo adaptáveis a qualquer indivíduo, incluindo aqueles com necessidades especiais, como os sofredores da síndrome de fadiga crónica e de fibromialgia. As práticas de yoga são uma opção complementar de tratamento para aqueles com dificuldades físicas. O alinhamento é enfatizado, podendo a postura e o equilíbrio melhorarem. O fortalecimento e o alongamento muscular são potenciados. Os praticantes aprendem a libertar tensão muscular, permitindo que o corpo se sinta mais energizado. O yoga também inclui várias técnicas de relaxamento, dotadas de enorme potencial para a redução do stress.

A capacidade do yoga de levar o sistema nervoso para fora da resposta ao stress (domínio simpático, ou resposta de luta-ou-fuga) em direção à resposta de relaxamento (domínio parassimpático), é vital para as pessoas cujo sistema nervoso central é sensível. A prática de yoga, principalmente o asana (as posturas), atua diretamente nos próprios músculos onde ocorre a dor da fibromialgia. Jacob Teitelbaum, diretor médico dos Centros Nacionais Americanos de Fibromialgia e Fadiga, diz: “Pense nisso [a dor] como ter cãibras em todos os músculos ao mesmo tempo” (Teitelbaum, 2013). Primeiro os músculos encurtam, depois ficam presos na posição encurtada, e acabam por doer. (Os pontos dolorosos geralmente estão localizados onde as cãibras costumam ocorrer.) “Um dos benefícios do yoga para as pessoas com fibromialgia é que esta prática retorna os músculos ao seu comprimento normal” (ibid.).

A prática de yoga deve ser feita de uma forma suave e que incentive o relaxamento, evitando posturas extenuantes. Os praticantes devem ter a possibilidade de a fazerem sem desencadear qualquer reação dolorosa ou de cansaço. A adaptação individual à prática é essencial: o professor que guie a prática terapêutica de yoga para estas condições deve ser experiente e, preferencialmente, ter treino específico em yoga para a SFC/FM.

As pessoas que sofrem de dor crónica muitas vezes deixam de respirar profundamente e de uma forma completa, respirando apenas superficialmente. Isto pode desencadear a resposta de luta-ou-fuga do corpo, libertando hormonas de stress, como o cortisol. A prática de yoga faz uso de técnicas respiratórias (pranayama), que incluem respirações lentas, expirações prolongadas e retenções na respiração. Os efeitos psicofisiológicos das várias técnicas respiratórias são relaxantes: ativam o sistema nervoso parassimpático (SNP) e desativam o sistema nervoso simpático (SNS) (Brown & Gerbarg, 2009). Respirar profundamente e pausadamente causa o estímulo do nervo vago, levando ao domínio do sistema nervoso parassimpático e reduzindo o stress. É por isso que a respiração completa é crucial para pessoas sofredoras de fibromialgia e da síndrome de fadiga crónica.

 

Estudos Científicos

 Na última década têm sido efetuados inúmeros estudos e análises científicas sobre o yoga e a fibromialgia. Aqui estão alguns exemplos:

  • Um artigo científico publicado em 2010 na revista Pain estudou 53 pacientes com fibromialgia que participaram num programa de oito semanas de Yoga of Awareness. Este programa incluiu meditação, exercícios respiratórios, posturas suaves e instruções baseadas no yoga para lidar com os sintomas. Depois de terminar o programa, os participantes relataram melhorias significativas nas medidas de dor, fadiga e humor associadas à fibromialgia. (Carson et al., 2010)
  • Um artigo de 2011 publicado no International Journal of Yoga Therapy, resumiu os efeitos de um programa de 8 semanas de yoga e meditação sobre 11 pacientes com fibromialgia. Após o estudo, os participantes relataram melhorias significativas no número de dias em que “se sentiram bem” e não perderam o trabalho por motivos relacionados à fibromialgia. (Hennard, 2011)
  • Uma análise de 2013 de três artigos científicos, publicados no Journal of Pain Research, descobriu que o yoga ajudou a reduzir os distúrbios do sono, a fadiga e a depressão e, ao mesmo tempo, melhorou a qualidade de vida. No entanto, os autores observaram que não há estudos significativos suficientes para confirmar uma ligação entre o yoga e redução dos sintomas da fibromialgia. (Mist, Firestone, & Jones, 2013)

Existem outros estudos sobre os efeitos do yoga e a síndrome de fadiga crónica, dos quais dois estão na base do programa de 8 semanas a ser desenvolvido na MYOS – Associação Nacional contra a Fibromialgia e Síndrome de Fadiga Crónica:

  • Um estudo randomizado de 2014, publicado no BioPsychoSocial Medicine estudou 30 pacientes com síndrome de fadiga crónica, resistentes à terapia convencional. Um programa de yoga isométrico foi aplicado durante 2 meses, incluindo práticas diárias em casa. Após o estudo terminar concluiu-se que o programa, como terapia complementar, era tanto viável quanto bem-sucedido no alívio da fadiga e da dor em pacientes com SFC (Oka et al., 2014).
  • Em 2017 foi efetuado um estudo piloto de 8 semanas para avaliar a eficácia e a viabilidade de um programa de yoga recumbente para pacientes com um grau severo de SFC/ME. Depois do programa terminar, os valores das escalas de fadiga aplicadas diminuíram para todos os participantes, sem quaisquer efeitos adversos. Concluiu-se que o programa era viável e eficaz como um tratamento complementar, para os pacientes com grau severo de SFC/ME (Oka, Wakita, & Kimura, 2017).

 

O yoga terapêutico como prática baseada em evidência

O ensino baseado na evidência científica é uma prática que combina a competência no campo de pesquisa relacionado, a educação no yoga, a experiência de ensino, bem como as necessidades únicas do indivíduo ou paciente. O ensino baseado em evidência, também chamado de prática baseada em evidência, é o método típico através do qual os profissionais de saúde fazem escolhas relativamente ao tratamento a ser aplicado.

Quando o yoga é aplicado de forma terapêutica (por yogaterapeutas qualificados) o ensino baseado em evidência torna-se fundamental. Explorar a evidência que nos chega através da pesquisa científica permite-nos ir mais longe na aplicação das práticas de yoga, além do contexto de aulas de grupo para a população geral, alcançando populações com necessidades especiais e específicas, para maior benefício dos pacientes e sofredores.

Autora: Ana Hayes, Yogaterapeuta

Data de criação do artigo: 19 de Setembro de 2019

Este artigo foi escrito pela autora para utilização pela Myos e não pode ser reproduzido em outros sites, blogues e páginas, sem a expressa autorização da autora e da Myos.

 

Notas de rodapé

(1) https://www.saudecuf.pt/mais-saude/doencas-a-z/fibromialgia, acedido em 26 de Julho de 2019.

(2) Nos dias de hoje, os médicos diagnosticam a fibromialgia com base nos vários sintomas relevantes do paciente, não apenas no número de pontos sensíveis observados durante o exame. https://www.rheumatology.org/I-Am-A/Patient-Caregiver/Diseases-Conditions/Fibromyalgia, acedido em 26 de Julho de 2019.

Bibliografia

 Arnold, L. M., Bennett, R. M., Crofford, L. J., Dean, L. E., Clauw, D. J., Goldenberg, D. L., … Macfarlane, G. J. (2019). AAPT Diagnostic Criteria for Fibromyalgia. The Journal of Pain : Official Journal of the American Pain Society, 20(6), 611–628. https://doi.org/10.1016/j.jpain.2018.10.008

Brown, R. P., & Gerbarg, P. L. (2009). Yoga Breathing, Meditation, and Longevity. Annals of the New York Academy of Sciences, 1172(1), 54–62. https://doi.org/10.1111/j.1749-6632.2009.04394.x

Carson, J. W., Carson, K. M., Jones, K. D., Bennett, R. M., Wright, C. L., & Mist, S. D. (2010). A pilot randomized controlled trial of the Yoga of Awareness program in the management of fibromyalgia. Pain, 151(2), 530–539. https://doi.org/10.1016/j.pain.2010.08.020

Hennard, J. (2011). A protocol and pilot study for managing fibromyalgia with yoga and meditation. International Journal of Yoga Therapy, (21), 109–121. Retrieved from http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22398352

Mist, S., Firestone, K., & Jones, K. D. (2013). Complementary and alternative exercise for fibromyalgia: a meta-analysis. Journal of Pain Research, 6, 247. https://doi.org/10.2147/JPR.S32297

Oka, T., Tanahashi, T., Chijiwa, T., Lkhagvasuren, B., Sudo, N., & Oka, K. (2014). Isometric yoga improves the fatigue and pain of patients with chronic fatigue syndrome who are resistant to conventional therapy: A randomized, controlled trial. BioPsychoSocial Medicine. https://doi.org/10.1186/s13030-014-0027-8

Oka, T., Wakita, H., & Kimura, K. (2017). Development of a recumbent isometric yoga program for patients with severe chronic fatigue syndrome/myalgic encephalomyelitis: A pilot study to assess feasibility and efficacy. BioPsychoSocial Medicine, 11(1), 5. https://doi.org/10.1186/s13030-017-0090-z

Sluka, K. A., & Clauw, D. J. (2016). Neurobiology of fibromyalgia and chronic widespread pain. Neuroscience, 338, 114–129. https://doi.org/10.1016/j.neuroscience.2016.06.006

Teitelbaum, J. (2013). The Fatigue and Fibromyalgia Solution. Avery: New York

 

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