Fibromialgia (FM) relaciona-se com outras patologias que pertencem ao grupo de síndromes somatoformes funcionais que compartilham entre si características e sintomas. Neste grupo estão a Síndrome da Fadiga Crónica (SFC), a Síndrome do Intestino Irritável (SII), entre outras. A prevalência destas síndromes sobrepostas num mesmo paciente é muito relevante daí se discutir quais serão os processos etiológicos e fisiopatológicos que explicam estas sobreposições sindrómicas. (1–3) A literatura descreve cerca de 70% de SII na FM. (4)
A FM apresenta a sua disfunção central no sistema nociceptivo com alterações no processamento da dor. As síndromes de sensibilidade sensorial deverão ter uma parte da fisiopatologia unificada já que apresentam em comum a alteração no processo da modulação da dor condicionada (ICPM). (4,5) Autores descrevem outras alterações associadas: nos sistemas nervoso central, periférico e autónomo, incluindo desequilíbrios entre os neurotransmissores excitatórios e inibitórios (p.e. serotonina e glutamato); desequilíbrios neuroendócrinos que incluem a disfunção do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (H-H-P); desequilíbrios dos sistemas imune e redox que incluem produção das espécies reactivas de oxigénio (EROs) desequilibrada em relação à produção dos antioxidantes endógenos e de algumas citoquinas. (6)
É no meio desta intricada e complexa relação de sistemas biológicos que se encontrarão as possíveis explicações para a sobreposição de síndromes FM e SII. Discute-se a possível intervenção do eixo intestino-cérebro e do microbioma na modulação da resposta sensitiva. (7) Uma possível explicação para a amplificação central da dor associado ao ICPM será um intenso input nociceptivo, que poderá ser uma aferência do sistema gastrointestinal, já que se descreve uma prevalência muito elevada de desequilíbrios funcionais disbióticos: síndrome de hipercrescimento bacteriano do intestino delgado (SIBO), síndrome da hiperpermeabilidade intestinal (Leak Gut) e intolerâncias alimentares.
As guidelines são unânimes em recomendar uma abordagem terapêutica multidisciplinar e a abordagem nutricional é descrita como tendo um importante impacto no bem-estar geral de qualquer doente crónico. (8,9) Deduz-se então que uma adequada alimentação pode ter um importante papel na melhoria da qualidade de vida destes doentes com FM ou síndromes associadas. (10)
Tem sido descrita a alta eficácia na redução sintomática (70%) duma recente abordagem dietética com restrição de certos componentes nutricionais aos quais doentes com SII são comumente intolerantes, como os açucares fermentáveis FODMAPs (Fermentable Oligo-Di-Mono-saccharides And Polyols). (11) Incluem-se neste grupo a lactose, a frutose livre, as fructanas de cereais como o trigo e as galactanas de alguns legumes.
Foi esta a inspiração que levou a equipa de investigação, associada ao Mestrado de Nutrição Clínica da Faculdade de Medicina de Lisboa, a estudar os efeitos desta abordagem dietética na sintomatologia da FM. Este estudo decorreu durante o ano 2015 na associação Myos, tendo sido a dieta implementada durante um período de 4 semanas seguido dum período de gradual reintrodução dos alimentos ricos nestes açúcares. Finalizou-se o estudo com uma taxa de satisfação geral com a melhoria sintomática de cerca de 76% com uma correlação positiva à taxa de adesão à dieta, o que sugere relação entre a melhoria sintomática com a intervenção dietética implementada. Foi com surpresa que se descreveu uma melhoria não só nos expectáveis sintomas gastrointestinais mas, muito especialmente, nos sintomas dolorosos e no impacto da FM na vida diária das participantes. (12)
Os resultados deste estudo piloto deverão ser reproduzidos em posteriores ensaios mais extensos e será com entusiasmo que a associação Myos continuará a acarinhar o desenvolvimento de futuros projectos na área da nutrição associada à FM ou síndromes relacionadas.
A equipa agradece todo o fervoroso apoio da associação Myos e a calorosa colaboração das sócias.
Autora: Dr.ª Ana Paula Marum, Membro do Conselho Técnico-Científico da Myos
Este artigo foi escrito pela autora para utilização pela Myos e não pode ser reproduzido em outros sites, blogues e páginas, sem a expressa autorização da autora e da Myos.
Resumo do artigo científico originalmente publicado em:
http://authors.elsevier.com/sd/article/S1877886016300842
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