A importância do papel da família

Viver com uma doença crónica, como é o caso da fibromialgia, altera muitos dos aspectos da vida não só da pessoa doente, como também da sua família. Além disso, a família tem um papel muito importante para a pessoa que se depara com fibromialgia, na medida em que quando a família mostra capacidade de mudança e adaptação, o doente tem também mais possibilidades de se adaptar e aprender a viver com a doença.

Os membros da família podem-se reorganizar para que juntos combatam a doença ou podem ir destruindo o processo de tratamento da mesma através de acções que isolam o doente como, por exemplo, quando há pouca cooperação ou desencorajamento do comportamento de cuidado pessoal que o doente tem consigo próprio.

 

Desafios colocados à família

 Quando a um dos seus membros é diagnosticada fibromialgia, a família depara-se com uma série de desafios, aos quais tem de responder adequadamente para que se verifique uma boa adaptação familiar à doença. Assim, passam-se a destacar os seguintes:

Aprender a conviver com a doença – Conviver com a dor, a incapacidade e outros sintomas derivados da fibromialgia é, muitas vezes, acompanhado por reacções de angústia, medo e sintomas depressivos. Estas reacções são habituais e adaptativas, perante a situação da doença, não constituindo sintomas de doença mental, mas antes uma situação à qual a família se tem de adaptar dolorosamente.

Obter informação sobre a fibromialgia – Destaque-se a importância da obtenção de um diagnóstico definitivo (que, muitas vezes, demora meses ou mesmo anos a ser feito), bem como um conhecimento aprofundado acerca da doença no que se refere às suas características, prognóstico e tratamento, para que o doente e familiares atribuam um significado à doença que lhes permitam ter uma certa sensação de controlo e competência para lidar com a mesma. Esta informação deve ser recebida por todos para que a doença se torne “uma parte da família”.

Relacionar-se com o sistema de saúde – Por vezes, os familiares que procuram ajuda dos serviços de saúde não encontram respostas adequadas às suas necessidades, ou porque recebem pouca informação acerca da fibromialgia ou porque experienciam tensão na relação com os profissionais de saúde. Aprender a conviver e lidar eficazmente com os profissionais de saúde é fundamental, sobretudo no que se refere ao estabelecimento de uma relação de trabalho com os mesmos para o bem-estar do doente e familiares.

Responder a situações de crise – A fibromialgia pode considerar-se uma doença com um curso por recaídas, na medida em que se caracteriza pela alternância de períodos de exacerbação de sintomas com períodos de diminuição dos mesmos. Assim, numa situação de crise é necessário que a família se organize e haja uma elevada mobilização de recursos físicos e emocionais. No entanto, é importante a existência de uma notável flexibilidade que permita alternar entre uma resposta a uma situação de crise e uma resposta na fase crónica da doença, de modo a que nesta última se volte ao funcionamento familiar habitual.

Redefinir papéis familiares – A fibromialgia pode impor limitações funcionais ao doente, de tal modo que este se vê impedido de desempenhar funções anteriormente assumidas no contexto familiar. Por este motivo é importante que na família haja uma redefinição em relação a “quem faz o quê”. Para isso é importante que haja uma negociação clara entre todos com base em informações médicas relativas à doença. Deste modo evita-se, por um lado, que o doente desempenhe funções que a sua condição física já não permite e, por outro, que a família assuma uma atitude de sobreprotecção que imponha ao doente uma inactividade superior àquela que a situação exige. De facto, o doente é capaz de assumir tarefas e responsabilidades e é importante que o faça para a manutenção do seu próprio bem-estar psicológico.

Manter “a fibromialgia no seu lugar” – Ao longo da sua existência a família nuclear depara-se, normativamente, com uma série de situações desafiantes, tais como o casamento, o nascimento de um filho, filhos adolescentes etc., sendo que o surgimento da fibromialgia pode pôr em causa a resposta adequada da família face às mesmas. Daí é fundamental que se mantenha a fibromialgia “no seu lugar”, mantendo-se uma certa regularidade no funcionamento familiar, de modo a minimizar-se a “invasão” da fibromialgia na vida privada e familiar.

Activar as redes de apoio social – Por diversas razões a família de um doente fibromiálgico tende a isolar-se socialmente. Se por um lado deixam de ter tempo para visitar os amigos, por outro lado estes últimos por não saberem muito bem como reagir perante o doente tendem também a não estabelecer o contacto. Porém, a família e o doente, mais do que nunca, necessitam de apoio, apoio esse que pode ser de natureza emocional, informativa ou material. Pedir e receber ajuda pode ser sentido como humilhante para o doente e família, pois podem sentir que recebem mais do que aquilo que podem dar. Daí a importância de aprender a pedir ajuda sobretudo à rede social mais próxima (ex: amigos, vizinhos, profissionais de saúde etc.). No entanto, quando esta rede social não desempenha adequadamente o seu papel, ou porque não existe ou porque não compreende a realidade do doente fibromiálgico, o recurso a associações de apoio e grupos de inter-ajuda pode ser uma alternativa eficaz. Aliás, estes são fontes de um apoio singular na medida em que são constituídos por pessoas que vivenciam e partilham experiências semelhantes. De todas as formas o que se deve evitar, ou combater, é o isolamento social.

Fazer o luto da identidade familiar perdida – As limitações impostas pela fibromialgia fazem com que, muitas vezes, toda a família tenha de abandonar determinados objectivos, funções e hábitos que faziam parte da sua identidade. Por todas essas perdas há a necessidade de fazer um processo de luto. Como a fibromialgia é, até à data, uma doença sem cura conhecida, há que aceitar que tais mudanças serão permanentes, o que não invalida a possibilidade de viver uma existência plena assente noutros objectivos, noutras funções, noutros hábitos.

Assim sendo, apesar das exigências que coloca ao sistema familiar, a fibromialgia pode não contribuir para a deterioração do funcionamento e relações familiares, mas antes constituir um ímpeto para melhorar ambos os aspectos.

 

A intervenção do psicólogo com a família do doente fibromiálgico

O objectivo final da intervenção do psicólogo consiste em ajudar a família a lidar com a doença, o que se traduz em apoiar a família a compatibilizar o cuidado ao doente com um certo grau de cumprimento dos seus hábitos, planos e prioridades nas várias dimensões da existência (social, profissional etc.).

As intervenções dirigidas à família assumem várias formas consoante as necessidades expressas por cada família em particular. Assim, a intervenção pode assumir uma vertente mais educativa no sentido de promover a compreensão sobre a doença e as suas implicações ou uma vertente mais focada nas relações familiares quando estas são afectadas em virtude do surgimento da doença e se torna pertinente promover a melhoria das mesmas.

 

Autora: Prof.ª Dr.ª Paula Oliveira, Psicóloga

Data de criação do artigo: 7 de junho de 2005

Este artigo foi escrito pela autora para utilização pela Myos e não pode ser reproduzido em outros sites, blogues e páginas, sem a expressa autorização da autora e da Myos.

Nota: este artigo foi escrito com o antigo Acordo Ortográfico.

 

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